18/08/17

Amarante Literatura - António Carneiro era um apóstolo e a sua figura inconfundível aliava-se à sua vida de rara pureza e elevação, os seus olhos tristes, suaves e vivíssimos, o sorriso muito doce, derramavam bondade.


(António Carneiro e Teixeira de Pascoaes)


(Retrato de Teixeira de Pascoaes, António Carneiro)


(Auto-retrato, António Carneiro)


(Auto-retrato, António Carneiro)


«António Carneiro e sua mulher - D. Rosa - vinham também juntar-se ao grupo.

António Carneiro era um apóstolo. A sua figura inconfundível aliava-se à sua vida de rara pureza e elevação. Os seus olhos tristes, suaves e vivíssimos, o sorriso muito doce, derramavam bondade. Tinha os ossos do rosto um pouco salientes, a barba grisalha a compensar a calvície quase total.

Como se verifica por uma fotografia de 1895, fora senhor de espessa cabeleira a reduzir-lhe a testa a curto espaço. Porém, depois, o vento do espírito o sopro tempestuoso que agita a vida ansiosa, inspirada e insatisfeita do artista em busca permanente da sua própria realização, varrera-lhe a fronte até à nuca.

Vestia sempre de escuro e, conforme as circunstâncias, usava chapéu preto de abas reviradas ou, na intimidade, um barrete de seda negra que o defendia das moscas, e ainda a boina espanhola, como no-lo mostra o belíssimo desenho de seu filho Carlos, tão vivo e rico de expressão, feito amorosamente em 1930, ano da sua morte prematura.

Depois do seu desaparecimento, Pascoaes escreveu: «Diante de António Carneiro sinto-me na presença de alguém com letra grande, dum raro exemplar da Humanidade, ou que dignifica a Humanidade e nos faz esquecer a sua origem simiesca.» E ainda: «O Mestre domina-nos de repente, porque a sua alma é visível, exterior à sua fisionomia e envolve-nos no seu clarão maravilhoso.»

E afirma também: «Os grandes artistas têm um excesso de alma que transborda, derrama-se no mundo como uma auréola (...) Os artistas da estirpe de Carneiro acrescentam ao mundo a sua alma.»

Era este grupo extraordinário que todos acompanhávamos na Volta da Melancolia ou nas subidas ao Ladário... E ouvindo-os religiosamente porque as conversas eram sempre de maravilha.

Pascoaes propunha, às vezes um pequeno desvio no trajeto para não passar pelos trabalhadores que cavavam a terra, na vinha, não fossem eles pensar que o patrão os ia vigiar. O poeta tinha por eles o maior respeito. Por isso escreveu:

"O Poeta e o cavador.
A pena é irmã da enxada.
A página de um livro é terra semeada."» in Fotobiografia "Na sombra de Pascoaes" de Maria José Teixeira de Vasconcelos.






("A Ceia", António Carneiro, 1920.)

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