20/10/16

Amarante Pessoas - Freguesia de Fregim, década de oitenta do século XX e o coveiro da aldeia mais a sua forma peculiar de ser e de conviver... com os vivos e os mortos!



«O Vitorino Pancas, ou o Pancadão...

O Vitorino, mais conhecido na freguesia por Pancas, ou também Pancadão, viveu em Fregim, no lugar do Calvário, assim chamado por se situar próximo da igreja local, quase no cimo de um pequeno planalto, no topo de uma rampa curta, mas íngreme, e, foi o coveiro das paróquias de Fregim e de Louredo durante alguns anos, nas décadas de setenta a oitenta do século XX.

O coveiro rural foi desde sempre uma personagem muito útil para qualquer freguesia, pois prestava um serviço que muito poucos desejavam realizar, devido a uma carga excessivamente negativa associada à sua função, pois lidar com a morte e com os mortos de uma forma tão direta, como abrindo covas, enterrando mortos e fazer a manutenção de um espaço tão sinistro, como um cemitério, não era para qualquer um. Ainda mais que, muito dos cemitérios das aldeias do nosso Portugal, estavam situados em locais ermos, o que contribuía para adensar a aura de terror, bruxaria e de medo, a que este mister era então associado. 

Desta forma, era natural que os coveiros das freguesias fossem homens com idiossincrasias muito próprias, geralmente alguém que ficou aleijado ou estropiado e que não pudesse ter outra ocupação, e, normalmente, eram pessoas que bebiam muito. A partir de uma certa idade, este foi então o destino de Pancadão, pelos dois motivos acima assinalados e demais circunstâncias da vida, que não cabe aqui referir.

Como sabemos, o álcool foi durante muitos anos a “droga” do povo em Portugal que, vivendo em condições muito difíceis, encontrava na bebida uma forma de alienação, de fuga momentânea da realidade dura e cruel que assistiu a muitas almas, nas suas vivências inexoravelmente duras. Vitorino sempre acompanhado da sua motorizada bastante velha e amassada devido a tombos constantes e funcionamento intermitente resultante de um uso inapropriado, apanhava bebedeiras apelidadas, de, desculpem a redundância tratando-se de um coveiro, de caixão à cova. A sua mota era já indissociável dele, pois, mesmo bêbado como um "cacho", sempre em primeira com a motorizada a fumegar, esta lá o levava sempre ao cimo do calvário.

Quando já estava bastante ébrio, costumava repetir à exaustão uma expressão que ouviu, segundo ele, num debate televisivo entre Mário Soares e Álvaro Cunhal – “isso são dois casos”. Portanto quando ele bebia nas tascas locais, era relativamente frequente existir um grupo de homens a puxar conversa com ele, só para testemunhar a forma como ele repetia e adaptava às diferentes situações, a referida expressão. Muitos, quando o avistavam, metiam-se com ele dizendo frases do género: “Hoje já vou ter azar, já vi o coveiro…”. Este, muito calmamente e impondo um tom mais solene, mas simultaneamente coloquial, na atitude e na frase, lá lhe respondia: “Isso já são dois casos: primeiro porque me viste, sinal de sorte porque eu estou ainda vivo e a beber uma boa pinga e segundo, porque ainda sou capaz de te enterrar hoje, pois para morreres basta estares vivo também, ainda mais com sede, porque não bebes como eu… cuida-te, vai-me dar prazer mandar-te terra para cima, vais secar rápido!”.

Um belo dia, num final da tarde, estavam todos na tasca a assistir a um jogo de futebol na televisão, jogava então Portugal e todos berraram de forma uníssona: “Penalti!”. Todos menos o Pancadão que, depois se todos se calarem e acalmarem, lá proferiu a sua sentença: “isso já são dois casos, primeiro é preciso ver se o jogador caiu devido ao empurrão do outro; segundo é preciso ver se não caiu de fraqueza…”. Era a risota geral, pancadão tinha sempre duas formas de analisar as coisas, duas visões dos factos, muitas vezes contraditórias, outras, complementares.

Noutra situação, no decurso de um funeral, deu-se o caso da urna não estar a entrar no jazigo, por ser grande e então, os homens que estavam a auxiliar o coveiro, com uma machada, cortaram os pés da urna para ser possível que a mesma descesse. Vitorino, algo contrariado lá aventou: isto são dois casos, por um lado a urna entrará, mas por outro lado, acordaram o morto e ele vai atormentar os vivos que não o deixaram descansar...

Se o queriam ver mais zangado era dizer-lhe que, quando ele morresse, ninguém quereria enterra-lo no cemitério, pois ele tinha um pacto com a morte e ninguém estaria para amaldiçoar o cemitério. Ele logo mais irritado dizia: “isso são dois casos: primeiro porque eu falo todos os dias com os mortos e eles querem-me lá, já estão habituados a mim; segundo porque mesmo depois de morto vou andar de noite, quando vocês todos estiverem a dormir, a atormentar os vossos sonhos, enquanto trato do cemitério; até festas lá irei organizar, só podem ir os mortos, pois os vivos que aparecerem, morrerão de susto, imediatamente, tal a algazarra que vamos lá fazer, nos dias de festa e não só… tenham cuidado, ao passarem no cemitério de noite, quando eu lá estiver, dizia o Pancadão".

Havia na freguesia um grupo de rapazes que um dia quis pregar um susto ao Pancadão, no cemitério, num fim de tarde de Inverno, quando já era escuro como breu. Sabiam que ele andaria por lá, pois a velha motorizada, estava encostada ao muro do local, e, então, colocaram lençóis brancos e velhos que trouxeram de casa, como combinaram previamente e puseram-se a correr e a uivar. O pancadão que de parvo, não tinha nada, riu-se e decidiu meter-se na cova que tinha acabado de abrir e deitou-se, com um candeeiro a petróleo de uma campa e um cartão de tapar a motorizada. Estava deitado e quieto fingindo-se de morto. A rapaziada quando se cansou, foi tentar ver o que se passava com o Pancadão, pois este, aparentemente, não reagia. Quando o encontraram na campa deitado, ficaram assustados, pensando que o tinham morto de susto. Espreitaram de fora da campa térrea e viram o pancadão deitado e imóvel. De repente, inopinadamente, este com o isqueiro incendeia o cartão regado de petróleo que tinha por cima do seu corpo e levanta-se a correr e a gritar muito: "Morte, Morte, Morte!". Um dos rapazes esteve dois dias de cama, quase em coma, devido ao susto que apanhou, não conseguia comer, nem ver ninguém, quase morrendo de pânico… 

Este e muitas outras figuras populares, como ele, com o seu mister, deram um toque distinto a este personagem tão peculiar nas nossas aldeias: o coveiro rural. 


O homem, carnívoro, também é coveiro. A nossa existência é feita de morte. Tal é a lei terrífica. Somos sepulcro.” Victor Hugo.» in http://birdmagazine.blogspot.pt/2016/10/o-vitorino-pancas-ou-o-pancadao.html



Missionários do Dízimo - "Raimundo o Coveiro"



«Coveiro Raimundo

Era um coveiro com cara de difunto 
Era um coveiro que se chamava Raimundo 
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo 
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto


Era um coveiro com cara de difunto

Era um coveiro que se chamava Raimundo

Raimundo, Raimundo levanta vagabundo

Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto


Até as caveiras ja o conheciam
Até as caveiras ja diziam todo dia
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto

Até as caveiras ja o conheciam
Até as caveiras ja diziam todo dia
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto

Mais um belo dia Raimundo adoeceu
E de Repente Raimundo morreu
Raimundo, Raimundo bem vindo ao nosso mundo
Raimundo, Raimundo vem pra esse buraco fundo

Mais um belo dia Raimundo adoeceu
E de Repente Raimundo morreu
Raimundo, Raimundo bem vindo ao nosso mundo
Raimundo, Raimundo vem pra esse buraco fundo

E no cemitério Raimundo se enturmou
Pela sua vizinha Raimundo se Apaixonou
Era uma Caveira Alta e desdentada
Pelo tal Raimundo ficou louca apaixonada
Raimundo, Raimundo teu olhar é tão profundo
Raimundo, Raimundo vem fundo vagabundo

E no cemitério Raimundo se enturmou
Pela sua vizinha Raimundo se Apaixonou
Era uma Caveira Alta e desdentada
Pelo tal Raimundo ficou louca apaixonada
Raimundo, Raimundo teu olhar é tão profundo
Raimundo, Raimundo vem fundo vagabundo

E dona caveira que era uma gracinha
Com o tal Raimundo teve várias caveirinhas
Mamãe, Mamãe eu quero mamadeira
Mamãe, Mamãe eu quero mamadeira
Cala a Boca não chateia, não tenho peito sou Caveira
Cala a boca nãp chateia, não tenho peito dou caveira

Era um coveiro com cara de difunto
Era um coveiro que se chamava Raimundo
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto

Era um coveiro com cara de difunto
Era um coveiro que se chamava Raimundo
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto"

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