31/07/08

Deixem Falar os Poetas - Ângelo Ôchoa, em Poema1!



Ângelo Ôchoa - "Poema1"

"Poema Um:

Ruir o interior dos ouvidos -
tabiques - areia - cal - sons esquecidos.
Pedras sobre pedras, os dias asfixia - as palavras iguais sob o ruído.
Abismo das folhas - Março ou Abril - o Jardim Botânico.
Todo o peso do rosto nas costas das mãos.
Rombos sombra - o retrato repete a abrupteza.
Velas - borrões - gente - 4 quilómetros pela barra.
Do mundo dos meses - telhas - papoilas - grades - tenazes.
Telhas - côncavas - convexas - convexas - côncavas.
Vertigem, fontes desmemoriadas - tudo - súbito.
A raiz dos ouvidos - árvores - ontem - candeeiros - sinos.
Exaustão - urzes onde os nervos verdes.
Uma vez um olhar - jogo água - as cordas febris - o violino.
Tijolos - estores - redes - andares de casas -
espaço escuro ante a parede branca.
Aereza - torpor surdo no cérebro - o ruído de sílabas dentro de mim.
Triângulos - trapézios - Mozart. Montes - lamas - dorsos - dromedários.
Tons - Klee - the musician!
Estes versos torpes - malmequeres - muros - vento - mudez.
O coração bater num cubo fechado - corredores sob corredores dor.
Horas trevas - objectos limite - descenso dos sons num poço sem fundo -
três vezes Z cinzento.
Luzes facetando-se - um clown incólume num arame cortante -
quase nada - infinitamente.
Os dias seguidos - agudezas - dedos - losangos - vidros.
Crueza - grãos poeira - partículas caspa - caracteres tipográficos.
O soalho - agulhas - sons opacos -
os nomes das pessoas conhecidas nas paredes.
Os nós dos ossos dos dedos - o peso dos ombros.
Roseiras - barro - lájeas - garagens - ouvidos ar.
Os cabelos soltos - a nuca - nunca - sim - hoje.
Verde a relva, verde a relva, verde.
I know your name. Your name, Is. I know. You know. I know.
Os ferros - os cimos altos - eu sei - não sei - as horas deslumbradas.
De átomos átomos - de constelações constelações.
Obsessão dos sons - os cotovelos roendo-se nas janelas.
A manhã - a cidade - larga a avenida.
O telhado - da chaminé a cal - o beiral de lata -
a lonjura branca - a gelosia. O ângulo da mesa - o azul e…
Flamingos - lagos - voos - cortinas - dedos - unhas.
A pouco e pouco o poema trabalho.
Braços - tijolos - redes - mínimas gotículas - duma criança a fala.
Estradas - bicicletas - letras.
Tectos - estantes - portas - carris - lápis - estrela.
Escusado dizer noite.
Na areia o sol por entre os ramos d’ar.
Escadas - chuva - resto de rio que vi.
As mãos - o alcatrão - um operário - o corpo - a sombra - um cigarro.
Aço - tábuas - inexistência. Ponte - longe perto vultos - areal.
As palavras que faltavam:
Maria - Manuel - Deus connosco.
Rapariga - rosto - olhar - uma vez, para sempre.
Cândido Portinari Cândido - duma cor doutra - uma cor noutra - neutra.
Ouvi meu canto, ouvi meu canto, ouvi.
Irrepetíveis voos - um número indefinido de versos desiguais.
Canaviais - juncos - vento - vimes. Òòa - aòr - o terraço.
Esguios choupos no ar nublado.
A instantes existo e o azul - a terra barrenta além - a pele.
O poema a suceder-se sob estrelas.
Restolho - fragas - estevas. O vasto negrume, a extensa noite…
Aéreos, suspensos lapsos…
Ausência, montes, o poema quarto. Os sapatos - os óculos - os anjos.
Um naco suado de pão. Ámen.
O tempo - pra Deus o tempo… Esse tempo, este tempo…
Kz-kv-z. Oh!

Ângelo Ochôa"
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Já não tenho palavras para tentar definir o Poeta Ângelo Ôchoa; absorvo apenas as suas palavras escritas e ditas; o que é muito!

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