13/08/07

Interessante artigo sobre o estado da Educação em Portugal!






Excelente artigo de opinião, o que abaixo transcrevo e que reflecte de uma maneira brilhante o estado a que chegou a Educação em Portugal. Num país com um gravíssimo défice de Educação e de Formação, confirmado por todos os diagnósticos reputados, temos uma política educativa que, por muito que se queira negar através da propaganda oficial e oficiosa, está centrada na obsessão da redução do défice, que tanto foi criticada no passado. E depois, um país que mal trata os professores, que são em primeiro lugar pessoas, não é decerto um país que tem a Educação como prioridade, tantas vezes propagandeada. Mas quem sou eu para falar de assuntos tão profundos, sou um simples professor do ensino secundário, mas com muita honra. Atentemos no que diz, uma pessoa, com certeza mais importante do que eu:

«No ano lectivo que ora finda, nada do que pode mudar o desastre foi realizado 2006/2007: o ano da chibata Santana Castilho Analiso as políticas educativas, na imprensa portuguesa, de forma permanente e regular, desde 1981. Digo, pesando o que digo, que este é o pior Governo para a área educativa não superior de que guardo memória. Tudo o que seria importante para promover a qualidade do sistema de ensino ou não foi realizado ou foi objecto de medidas que degradaram ainda mais o que já era mau. A ministra da Educação e os respectivos secretários de Estado foram tecnicamente incompetentes e politicamente irresponsáveis. Transportando para o mundo do ensino a cultura dominante da governação de Sócrates, actuaram como pequenos ditadores e 2006/2007 cola-se-lhes à acção como o ano da chibata. Longe de ser exaustivo, fundamento o que afirmo com um balanço breve do ano lectivo que ora finda. 1 - As políticas para o ensino foram boçais e destituídas de visão estratégica. A ministra e os seus ajudantes mostraram ter cabeças tayloristas, convencidas de que gerir passa por fazer, pela força e pelo medo, com que os professores executem as suas ideias inconsistentes. Qualquer mudança, desde que reduzisse, economizasse e afrontasse os professores, foi considerada moderna e progressista. O ano lectivo de 2006/2007 tinha obviamente que reflectir a verificada redução orçamental (4,2 por cento no básico e secundário e 8,2 no superior) e patentear o que o Governo privilegiava com isso: diminuir o salário dos professores; piorar as condições em que exercem a profissão; cortar-lhes direitos protegidos pela lei que os próprios carrascos produziram (vide as decisões dos tribunais sobre as remunerações das aulas de substituição); tornar cada vez mais precárias as condições contratuais, em obediência aos cânones da liberalização selvagem; fechar escolas (900 a somar às 1400 do ano transacto). Tudo em nome do défice. Mas o défice que hoje nos condiciona a vida foi-se acumulando ao longo dos tempos, sob responsabilidade de políticos com nome, vivos e bem instalados na vida. Sem vergonha e sem contrição pública, alguns voltaram ao exercício político e censuram hoje, displicentemente, aquilo por que foram responsáveis ontem. Para que não me acuse de ficar no vago, concretize o leitor respondendo: quem foi o político que concebeu o modelo retributivo do funcionalismo público, que tantos elegem hoje como a desgraça do Estado? Como se chama o megalómano que decidiu gastar milhões em dez estádios de futebol, num país que manda as filhas parir no estrangeiro e convoca para intervenções cirúrgicas velhos já mortos, cegos, apodrecidos em anos de espera por uma simples operação às cataratas? Qual o peso que sobrou para o défice público da saga de Cahora Bassa e quem são os políticos por ela responsável? Concedendo, sem mais discussão, que não nos podemos eximir às regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (que nome mais impróprio) e à lógica da globalização sem rei nem roque, os três exemplos anteriores, de uma infindável lista, e o contexto em que ocorreram, justificariam uma metodologia bem diferente para tratar os professores. Só incultos ou desumanos não o entendem. 2 - O recente concurso de "professor titular", a que foram opositores os docentes dos anteriores 8.°, 9.° e 10.° escalões, é bem o paradigma da trapalhada, da injustiça e do improviso em que se afunda a 5 de Outubro: duma vida inteira de profissão, iluminados decidiram que só uns anos contam; dos cargos, os mesmos deram preferência aos administrativos; durante a semana em que o concurso decorreu, pôde o país verificar, atónito, que consoante os dias assim a posse do grau de mestre somava ou retirava pontos ao número necessário, como o exercício de cargos políticos equivalia ou deixava de equivaler a serviço docente; concorrentes ao concurso integraram órgãos de verificação e validação de dados, ou seja, foram juízes em causa própria, com um quadro referencial de confusão e bagunça, o que faz prever uma bela caldeirada conflitual final. Imaginar-se-ia pior? 3 - Se do lado dos professores o ano foi mau, do lado dos alunos só podia ser pior. Os exames, fundamentais como sempre tenho defendido, mas longe de tudo resolverem ou serem o mais importante de todo o processo, são o motivo, por via dos respectivos resultados, para que o país acorde, embora só por escassos dias. Há semanas, depois de múltiplas decisões judiciais contra o Governo, o Tribunal Constitucional decretou a inconstitucionalidade de um despacho do secretário de Estado Valter Lemos, sobre os exames, que prejudicou 10.000 alunos e beneficiou 5000, em violação da igualdade que deve presidir ao tratamento dos cidadãos num Estado de direito. Que aconteceu? Nada! Nem a ele nem à ministra que defendeu, contra tudo e contra todos, com a arrogância que lhe conhecemos, o indefensável. A cena da Física do ano passado ditou a demagogia primária deste ano. Da multiplicidade de exames, correspondentes à confusão de programas vigentes, encontrou-se o menor denominador comum e decretou-se o exame único: uma farsa, um desrespeito pelo trabalho dos alunos, das escolas e dos professores. Mas a redução do número de provas não isentou de erros a produção dos exames. Lá voltámos a ter 36.000 alunos confrontados com uma pergunta a que nenhum poderia responder, por ser rematada asneira. Que fez a ministra? Achou irrelevante e engendrou a solução tecnicamente bruta que os pais foram contestar em tribunal. Até quando? Sem contenção de linguagem e sem o mínimo rigor pedagógico e científico, a ministra ligou o Plano da Matemática, com escassos meses de acção, incompleta, mesmo assim, por incumprimento seu, aos resultados dos exames que estariam para vir. Quando apareceram os primeiros, do 12.° ano, que nada têm com o famigerado plano, que apenas contempla o ensino básico, embandeirou em arco e insinuou uma relação que não existe. Finalmente, deve ter mordido a língua quando foram conhecidos os do básico, os piores de sempre, que reduziram ao ridículo as declarações que produziu antes. Terá ao menos realizado que falou dos êxitos das suas políticas como os talibans falam de Alá ou as beatas da Senhora de Fátima? No ano que ora finda, nada do que pode mudar o desastre foi realizado. A trapalhada do edifício curricular permaneceu incólume, assim como a incoerência dos programas de estudo. Aumentou o facilitismo e a idiotização do ensino. Subalternizou-se ainda mais a Literatura no ensino do Português. Empurrou-se para debaixo da mesa a trapalhada da TLEBS. Liquidou-se a Filosofia. Manteve-se uma dispersão assassina e ignorante de solicitações aos alunos (12 disciplinas no 3.° ciclo do básico e mais tempo de permanência na escola que os operários nas fábricas, não é de loucos?). Mudou-se a estrutura orgânica do ministério, deixando-o igualmente centralizador e burocrático. Promoveu-se o clientelismo e premiou-se a delação e o servilismo. Mudou-se a legislação disciplinar, mas continua a ser mais fácil falsificar uma nota de 50 que actuar com eficácia sobre os pequenos delinquentes, que tornam a vida dos colegas e dos professores um martírio diário. Nada mexeu quanto ao anacronismo da gestão das escolas. Professores, vítimas de cancros em fase terminal, foram indignamente chibatados para morrerem no posto, em nome duma lógica economicista que rejeita aquisições civilizacionais básicas. Mal haja, senhora ministra. Professor do ensino superior, Santana Castilho!»

1 comentário:

  1. ENSINO ESCOLAR: METAS E MEDIDAS

    O estado deplorável do sistema escolar nacional é do conhecimento público, e cada um consegue apresentar diversos exemplos ilustrativos deste fenómeno. Vários remédios foram propostos, uma grande parte dos quais, incluindo as recomendações das entidades europeias, cita a necessidade de transformar o ensino num conjunto de prestadores de serviços educativos, de modo que os alunos e os seus pais possam escolher aquele prestador que proporciona um serviço educativo melhor.

    Todavia, todos estes remédios falham em vários pontos importantes, nomeadamente:

    1. O principal objectivo do sistema escolar é de proporcionar ao aluno as ferramentas necessárias para a sua aprendizagem futura, tanto no ensino superior, como ao longo da sua via, além de conhecimentos e competências concretas.

    2. Um sistema escolar, correctamente construído, deve proporcionar uma formação adequada (equivalente a uma avaliação objectiva de “Bom”) a um aluno médio.

    As principais ferramentas do nosso aluno são o Português, e a Matemática, sendo esta última a língua comum das ciências exactas e tecnologias. As notas médias dos exames nacionais destas duas disciplinas são de 7, o que mostra uma incapacidade do nosso sistema escolar de proporcionar as ferramentas essenciais ao aluno médio. Não devemos esquecer ainda que a nossa taxa de abandono escolar é de 40%, assim, o sistema escolar consegue ensinar, com uma grande ajuda dos explicadores, apenas 1/5 dos alunos que entram no primeiro ano da escolaridade.

    Analisando objectivamente os currículos escolares, concluímos que estes são suficientes, do ponto de vista de conhecimentos e competências que o aluno deveria obter. O problema, então, não está no que estamos a ensinar, mas sim no como.

    Olhando atentamente para o ensino primário, detectamos duas falhas metódicas graves.

    A primeira é a aposta no método global (visual) de ensino de leitura. Este método para sua implementação correcta necessita de professores excelentes e bem preparados, pois na consequência de erros comuns na sua implementação os alunos não aprendem a ler fluentemente em tempo útil, o que consideramos ser o segundo ano da escola primária (primeiro ciclo). As tentativas falhadas dos últimos 20 ou 30 anos de usar este método mais que justificam a sua proibição oficial, pois na consequência do seu uso cerca de 80% dos nossos alunos não aprendem a leitura atempadamente, com consequências graves para todo o seu percurso escolar.

    A segunda é a aposta no pensamento crítico dos alunos, em detrimento de memorização sistematizada de conhecimentos, e em detrimento do desenvolvimento de capacidade de memorização. Há 20 ou 30 anos, apostamos na criação de um ensino mais democrático, baseado no desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico, eliminando os exercícios para desenvolvimento da memória dos currículos de todos os anos. Esta aposta falha em dois aspectos. Em primeiro lugar, um aluno típico da escola primária (primeiro ciclo) não tem capacidade de pensamento crítico, aceitando de bom grado tudo que lhe seja dito pelos adultos. Mesmo que este aluno aparente uma capacidade razoável de pensamento crítico, na realidade apenas interpreta as dicas do professor, dadas voluntária ou involuntariamente. Entretanto, o pensamento crítico do aluno pode e deve ser desenvolvido, mas gradualmente, e nos alunos já com idade mais avançada, e, consequentemente, com capacidades mentais mais desenvolvidas. Em segundo lugar, abstendo do desenvolvimento da capacidade de memorização sistematizada do aluno, a escola não aproveita deste recurso que o aluno já possui, e que deve ser desenvolvido, desde logo, para proporcionar as bases para o próprio pensamento crítico, pois não há lugar para qualquer pensamento sem recurso aos conhecimentos memorizados.

    Assim, para começarmos a reconstruir a nossa escola, devemos eliminar, e o mais depressa possível, as duas falhas metódicas mencionadas, sendo certo que os exercícios de memorização sistematizada devem ser reintroduzidas em todas as disciplinas de todos os ciclos, e não apenas na escola primária. Devemos admitir ainda que o processo de reconstrução vai ser demorado, pois as alterações introduzidas hoje não trarão grandes vantagens para os alunos que se encontram nos ciclos preparatórios e na escola secundária. Podemos tentar ensinar a estes alunos, mais uma vez, aquilo que não aprenderam quando deviam ter aprendido, embora sem grande esperança de sucesso.

    Desenvolvemos estas ideias numa forma mais completa na nossa análise, publicada no nosso blog.

    Quanto a incompetência gritante de Ministros e de Ministérios, esta notícia já tem uma barba de 30 anos.

    José Carrancudo, professor e educador

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